Meu nome é Zé - Albir José Inácio da Silva
Meu nome é Zé Albir José Inácio da Silva
Ou rosê como dizem meus vizinhos de fala enrolada. Não vou contar minha história porque ela não tem nada de interessante. Quero falar do meu primo Samuel, esse sim uma vida gloriosa.
Temos quase a mesma idade, mas ele sempre mereceu maior respeito. Todos nós lhe pedimos a bênção. Os mais pobres insistimos nesse parentesco na esperança de alguma intimidade. Intimidade que ele nunca quis e parentesco que ele nunca reconheceu, porque de nada lhe serviria.
Samuel sabia que não era amado e se dizia respeitado. Os críticos corrigiam: era temido. Parecia respeito, reconheciam que era poderoso, rico e sabido, mas o que sentiam era medo. Ele tinha muitos jagunços e muitas armas. Seu dinheiro se multiplicava porque era implacável na administração de suas posses com sangue conquistadas dos bugres preguiçosos. Preguiça que encontrava agora a sua volta.
Acostumou-se às reclamações. Não tinha culpa da miséria de ninguém, dizia, e miséria sempre foi fruto da preguiça. Não podia era permitir que lhe invadissem as terras. Direito de entrar e sair, só na casa da sogra. Não queria por lá esses molambos famélicos, barulhentos, batucantes e chorões em que se transformaram seus vizinhos e parentes.
Reprimia com vigor as ameaças externas, mesmo distantes, garantindo tranqüilidade para o desenvolvimento dos seus. Verdade que às vezes avançava por terras alheias, mas tinha sempre boas explicações. A melhor delas: punição.
E também porque pobres brigam muito e algumas vezes tinha que intervir com energia para impedir que se matassem. Já ouvi que isso não foi invenção do Samuel: antigamente os romanos também pacificavam os bárbaros pela força.
Ameaças não faltavam e às vezes se concretizavam com tiros e explosões até no seu quintal. Por isso era tão difícil entrar nas terras de Samuel. Poucos eram convidados, e mesmo os que queriam comprar tinham de mostrar o dinheiro e retornar logo às suas casas. Sua riqueza era dos seus, dizia. Eu mesmo já perdi a tiros dois sobrinhos que tentaram entrar.
Ensinar austeridade e conter o desperdício em terras alheias, em vez de cuidar da própria felicidade, foram mal interpretados. Assim se paga a generosidade. Mudanças abalaram a tranquilidade de Samuel. Seus produtos venderam menos. Os pobres trocaram qualidade por coisas mais baratas.
Em casa seus filhos perderam empregos, apesar de muito bem preparados. O crédito e as hipotecas, que sempre alavancaram a vida, passaram a ser ameaça. Até sua gente começou a bradar contra as dificuldades.
Voltas que o mundo dá. Alguns chegaram a comparar Samuel com outros endividados, o que é um absurdo. Discutiam sua capacidade de pagamento como se ele fosse um deles. Parece que todos ficaram felizes porque o seu nome figurava pela primeira vez na lista do SPC.
Na Associação ouvimos pronunciamentos inflamados sobre solidariedade, honestidade, humanidade e perigo de afundar juntos sem cooperação. E falaram olhando pra ele. Não há mais respeito.
Acho que ele não acredita em nada disso porque sempre cuidou da própria vida e nunca precisou de ninguém. Pelo contrário, quantas vezes teve de emprestar dinheiro para essa gente?
Mas a verdade é que o discurso foi muito aplaudido. Samuel só respondeu que não ia faltar com seus compromissos, que não se preocupassem. Do lado de fora pareceu mais sorridente. Chamou algumas pessoas pra conversar, elogiou alguns produtos e prometeu baixar o preço de outros. Apertou mãos que nunca tinha tocado, e convidou pras festas no parque de suas crianças.
Anunciou também que ia facilitar visitas a suas terras. O pessoal aqui em casa ficou muito animado. Sempre ouvimos que é um lugar de sonho, que beleza e riqueza estão por toda parte, e que tem cada novidade de assustar um cristão.
Até eu, que sou só o Zé, confesso que fico cheio de vontade de conhecer aquelas belezuras. Tenho apenas um medo. Sei que assim que o velho Sam melhorar de vida outra vez, perde de novo a paciência com os Zés daqui de baixo.
Mas que eu tenho vontade, ah isso eu tenho.
Temos quase a mesma idade, mas ele sempre mereceu maior respeito. Todos nós lhe pedimos a bênção. Os mais pobres insistimos nesse parentesco na esperança de alguma intimidade. Intimidade que ele nunca quis e parentesco que ele nunca reconheceu, porque de nada lhe serviria.
Samuel sabia que não era amado e se dizia respeitado. Os críticos corrigiam: era temido. Parecia respeito, reconheciam que era poderoso, rico e sabido, mas o que sentiam era medo. Ele tinha muitos jagunços e muitas armas. Seu dinheiro se multiplicava porque era implacável na administração de suas posses com sangue conquistadas dos bugres preguiçosos. Preguiça que encontrava agora a sua volta.
Acostumou-se às reclamações. Não tinha culpa da miséria de ninguém, dizia, e miséria sempre foi fruto da preguiça. Não podia era permitir que lhe invadissem as terras. Direito de entrar e sair, só na casa da sogra. Não queria por lá esses molambos famélicos, barulhentos, batucantes e chorões em que se transformaram seus vizinhos e parentes.
Reprimia com vigor as ameaças externas, mesmo distantes, garantindo tranqüilidade para o desenvolvimento dos seus. Verdade que às vezes avançava por terras alheias, mas tinha sempre boas explicações. A melhor delas: punição.
E também porque pobres brigam muito e algumas vezes tinha que intervir com energia para impedir que se matassem. Já ouvi que isso não foi invenção do Samuel: antigamente os romanos também pacificavam os bárbaros pela força.
Ameaças não faltavam e às vezes se concretizavam com tiros e explosões até no seu quintal. Por isso era tão difícil entrar nas terras de Samuel. Poucos eram convidados, e mesmo os que queriam comprar tinham de mostrar o dinheiro e retornar logo às suas casas. Sua riqueza era dos seus, dizia. Eu mesmo já perdi a tiros dois sobrinhos que tentaram entrar.
Ensinar austeridade e conter o desperdício em terras alheias, em vez de cuidar da própria felicidade, foram mal interpretados. Assim se paga a generosidade. Mudanças abalaram a tranquilidade de Samuel. Seus produtos venderam menos. Os pobres trocaram qualidade por coisas mais baratas.
Em casa seus filhos perderam empregos, apesar de muito bem preparados. O crédito e as hipotecas, que sempre alavancaram a vida, passaram a ser ameaça. Até sua gente começou a bradar contra as dificuldades.
Voltas que o mundo dá. Alguns chegaram a comparar Samuel com outros endividados, o que é um absurdo. Discutiam sua capacidade de pagamento como se ele fosse um deles. Parece que todos ficaram felizes porque o seu nome figurava pela primeira vez na lista do SPC.
Na Associação ouvimos pronunciamentos inflamados sobre solidariedade, honestidade, humanidade e perigo de afundar juntos sem cooperação. E falaram olhando pra ele. Não há mais respeito.
Acho que ele não acredita em nada disso porque sempre cuidou da própria vida e nunca precisou de ninguém. Pelo contrário, quantas vezes teve de emprestar dinheiro para essa gente?
Mas a verdade é que o discurso foi muito aplaudido. Samuel só respondeu que não ia faltar com seus compromissos, que não se preocupassem. Do lado de fora pareceu mais sorridente. Chamou algumas pessoas pra conversar, elogiou alguns produtos e prometeu baixar o preço de outros. Apertou mãos que nunca tinha tocado, e convidou pras festas no parque de suas crianças.
Anunciou também que ia facilitar visitas a suas terras. O pessoal aqui em casa ficou muito animado. Sempre ouvimos que é um lugar de sonho, que beleza e riqueza estão por toda parte, e que tem cada novidade de assustar um cristão.
Até eu, que sou só o Zé, confesso que fico cheio de vontade de conhecer aquelas belezuras. Tenho apenas um medo. Sei que assim que o velho Sam melhorar de vida outra vez, perde de novo a paciência com os Zés daqui de baixo.
Mas que eu tenho vontade, ah isso eu tenho.
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