Novos vizinhos e suas grandes ideias - Tais Luso de Carvalho


NOVOS VIZINHOS E SUAS GRANDES IDEIAS







- Tais Luso de Carvalho

Tudo bem que cada louco tenha suas manias; até aí nada de anormal; é pra lá de normal desde que o mundo existe. O ser humano é assim, tem lá seus altos e baixos, seus desprendimentos, seus altruísmos; mas êta povoação que nasceu complicada!  

A nossa espécie sabe ser encrenqueira, o troço tá no sangue. Olhou torto? Já é motivo para alguém tirar satisfações. Mas onde se vê a essência dos humanos é quando moramos próximos ou em condomínios. E aqui, quero falar da síndrome das reformas em apartamentos. A síndrome de Dubai – que no momento é onde existe o que há de mais moderno em moradia. 

O terror de um condomínio é quando alguém vende seu apartamento. Quem comprou? Que ideias extravagantes terão os novos moradores? Esta é a pergunta que não cala. E a resposta é secreta, parece uma senha; mas chega o dia que a bomba explode: Reformar!!

Uma das piores coisas que existe, para um vizinho que more embaixo, é alguém comprar um apartamento antigo e  transformá-lo em  moderno. É difícil de entender tal compra, quanto mais ver este tipo de apartamento só no osso.  Penso que no ímpeto do entusiasmo alguns não pensam o quanto gastarão numa reforma total. Digo total. 

Uma reforma no banheiro ou cozinha, muitas vezes precisa  ser feita, mesmo porque o vizinho debaixo já está espumando  com as marcas que apareceram  no teto de seu apartamento. E este estrago não tem jeito,  aparece para todos. Como a vizinhança precisa ficar tranquila, mãos à obra, precisamos alimentar um  bom relacionamento: um Bom Dia, uma Boa Tarde... pelo menos.

Mas isso também aconteceu conosco. Resolvemos o impasse reformando dois banheiros, deixamos tudo novo. Tudo rápido para deixar a vizinha  alegrinha. Colocamos os melhores canos, fizemos dois banheiros totalmente novos. E tudo feito dentro dos horários permitidos para não levantar a cólera nos outros – que nada tinham a ver com o nosso problema. Todo vazamento - 99% - que aparece no teto vem do apartamento de cima. E com água não se brinca. Então fomos à luta.

Mas o problema maior é quando alguém compra um apartamento num prédio antigo, sólido, com paredes largas e com pé direito bastante alto (o que na Europa é valorizado), mas que - sei lá o motivo - resolve fazer ali, em cima de nossas cabeças, um apartamento totalmente novo. E pelam o apartamento antigo em nome damodernidade. Isso é um horror, deixa o desgraçado que mora embaixo na mais neurótica das criaturas, que um dia teve a ideia de aventurar-se em morar num condomínio antigo, sólido e espaçoso. E que não precisa destas reformas. 

Atualmente estamos vivendo este inferno. Há 5 meses, em cima de nossas cabeças, está acontecendo exatamente isso: demolição total, marretadas nas paredes internas, aberturas substituídas, pisos de granito removidos, remoção das tubulações ocultas de calefação, novos banheiros, fiação, encanamento total, rebaixamento do teto inteiro e aquecimento sob o piso da cozinha - como se morássemos em lugar muito frio. Faz parte de nossos dias ouvir uma britadeira que, por pouco, não nos levou para o hospício. Nosso cachorro é o mais calminho; não pensei que fosse tão equilibrado. Subiu no meu conceito, é um herói.

Aí pergunto: cadê o respeito pelos vizinhos? Cadêeeeee?? Não existe; são 5 meses de tortura; são 5 meses de loucura.

Quando a razão está do nosso lado, os argumentos jorram com muita facilidade. Reformar é um direito de todos, mas estas pessoas precisam ter bom senso e respeito: não passar do horário permitido por lei; não trabalhar nos finais de semana e feriados. Não fazer coisas 'desnecessárias', abusando da paciência dos outros. E existem muitos que não estão nem aí para os outros, não sabem morar em condomínio. Certas atitudes fazem que o campo fique fértil para os atritos, justamente por causa de vizinhos insanos. E a tolerância vai pro brejo.

É incompreensível que alguém faça uma reforma dessas, partindo do zero. Mais tarde viajam para a Europa e se extasiam com a arquitetura antiga, com o pé direito alto, com as paredes largas, com salas enormes...

Mas é isso aí, o egoísmo é como uma nuvem sobre a terra: elas apenas se deslocam, mas depois voltam. E assim acontece com as pessoas: na medida em que uns pensam só em si, a ira dos outros se multiplica. E no final uns acabam sendo o inferninho dos outros. Instala-se uma loucura coletiva e tudo fica como o diabo gosta.

Comentários

Postagens mais visitadas